quarta-feira, 21 de outubro de 2015

"Futuro, Adeus!" (2012)

"Futuro, Adeus!"
(64:45)

Da Crise da Música à Música da Crise

"Concreto Armado" é a alter-persona para: Todas as Letras; Todas as Músicas; Vozes, Teclados, Guitarras, Baixo, Violão, Bateria, Edições e Efeitos de Áudio: Juliano Berko. Fotos do Encarte: Sérgio Berquó, 2010/2011. Gravado entre julho e setembro de 2012. Inserção de áudio em "A Paz é difícil": "The fact is peace is hard", Barack Obama em discurso na Assembleia Geral da ONU, 2011.  "Cidades de Patrão": Expressão utilizada por alguns jovens das periferias de Brasília para se referirem aos bairros (que no Distrito Federal são também chamados de cidades) das classes médias e altas. É como a segregação socioespacial salta aos seus olhos. Todas as baterias e teclados deste trabalho foram realizados por meio do Piano Eletrônico 2.5, software livre.
 
É encorajada a reprodução deste trabalho para quaisquer fins desde que de caráter não-lucrativo.

"O mundo é mesmo de cimento armado"C.D.A.
("Privilégio do Mar", Sentimento do Mundo, 1940.)

Sobre o Autor:

Geógrafo de formação (Bacharel e Licenciado) pela Universidade de Brasília, iniciou sua trajetória como compositor em 2004, ainda em Goiânia, compondo e tocando em bandas incipientes formadas com colegas do ensino médio. Em 2007, voltara para Brasília, onde nasceu em 1989, continuando a compor solo. Já em 2009 participou com banda formada por amigos do curso do “Festival Interno de Música Candanga”, o FINCA, concorrendo pelo Centro Acadêmico do curso de Geografia. Em 2012, sua canção em homenagem às vítimas da ditadura civil-militar brasileira, “Brasil, Nunca Mais”, do projeto “Concreto Armado – Futuro, Adeus!”, foi executada no programa “Nunca en Domingo”, da rádio Uruguaia "Cultura Universal". Estagiou como técnico no Laboratório de Sistemas de Informações Espaciais do departamento de Geografia da UnB e como colaborador do CESPE-UnB. Atualmente, é professor da Secretária de Educação do Distrito Federal e trabalha como artista independente em Brasília. 

CONTATOS:
 
Tel. Cel.: (61) 8515-6753
Email 1: julianoberko@gmail.com
Email 2: julianoberquo@live.com
Blog:
www.oversolanoverso.blogspot.com

Juliano Berko, 2012.

01. O Futuro Adeus



O Futuro Adeus

“O futuro a Deus pertence.”
Então, o que se faz com o presente?

O futuro adeus pertence a mim...
Como assim me pertence o presente.
Mas se nos muros à nossa frente,
espalhados por aí
esbarram toda a gente, mas que fim?!

Não confesso pecado, irmã
Nem professo nenhuma fé cristã
Nem muçulmano nem judeu
Eu não calculo prejuízo
Nem espero ansioso pelo juízo final.

O futuro, afinal, quando há de vir?
Se aqui, por sinal, o presente se desfaz?
Quando, aliás, jurou-se o porvir?
A quem servir pra livrar-se do mal - amém?

É que quando os grãos se petrificam
Santifica-se/Justifica-se, em vão, qualquer divindade/autoridade
Se a primeira impressão é a que fica, será uma mentira
Repetida mil vezes que nunca vai ser verdade.

Atire estas verdades no espelho
Ou no ventilador se preciso for.

Pra apodrecer, basta ter corpo
E isótopos radioativos
Por querer o que não tem nome,
Esta fome que não tem partido
Que só se ouve ao pé-do-ouvido
Quando o ruído de fundo se impõe.
Por nascer e correr os riscos,
Que nos acompanham desde o início
Pra viver, me basta ser torto.
Pra morrer, basta estar vivo.

02. Tudo Em Seu Lugar



Tudo Em Seu Lugar

Os sonhos estão nas padarias
Os pretos nas periferias
Os jovens estão nas passeatas
Os pobres nas filas das catracas
Os ricos têm contas nos bancos
Os ricos são quase sempre brancos

Os mendigos estão no chão da praça
As flores, então, são ameaças
As crianças habitam estas ruas
As mesmas em que habitam as prostitutas
Todos disputam o raro espaço
Mediados pelas cores dos semáforos

Tudo está em seu lugar
Na mais (im)perfeita harmonia
Tudo está em sintonia
É a democracia
(Nas balas de borracha)

Os índios estão carbonizados
As mulheres e os gays, espancados
Os religiosos estão todos salvos
Nós arderemos no inferno
Todos existem, não são tão mitos
E também os que não foram ditos

Tudo a girar e a fila anda
Nessa ciranda corporativa
Veja, é a destruição criativa
São as balas
(nas bocas das crianças)

03. Nove de Hydra



Nove de Hydra

Enquanto girar o tabuleiro do super-sistema financeiro
O mercado segue sem receio no investimento que não faz rodeios

Enquanto o mundo for um espelho opaco em que não me vejo
E da face em que não me reconheço a insistência de que tudo tem um preço:
Um beijo, um gesto de amor, a hidrelétrica e a pena capital
Pois, o homem vale sua oferta na procura pelo seu final

Continuamos a vagar no pasto
Do vasto mundo do consumo
Sei que ainda será belo o absurdo
Do castelo de cartas marcadas

Com o mundo sobre minhas costas
E a espada sobre a minha cabeça
Pra enfrentar as nove de Hydra
E matar um leão por dia

Enquanto meu canto estiver preso na garganta pela contingência
E a ciência não sai da minha caneta enquanto eu me perco no que escrevo
Enquanto eu vejo isso tudo e fica tudo por isso mesmo
Vou viver por apenas um segundo e será uma vida sem apreço

Eu tive peso na consciência
E tive medo da doença
Quando eu estive fraco
E alimentei a indústria do tabaco

Com o mundo sobre minhas costas
E a espada sobre a minha cabeça
Pra enfrentar as nove de Hydra
E matar um leão por dia

Enquanto eu girar no tabuleiro e ficar tudo por isso mesmo.

04. Quando Os Impérios Têm Febre



Quando os Impérios Têm Febre

Quando os aviões apareceram sob o céu de Nova Iorque
Todo mundo entrou em choque
Quando os aviões bombardearam o palácio em Santiago
O fogo amigo era aliado
Quando estavam em paz os navios pela bacia de Santos
Jango já não estava tanto
Quando os impérios têm febre no sistema financeiro
Eu digo, e não sou o primeiro:
Pra que serve tanto dinheiro?

Serve pra comprar toda a mídia [CIA]
Serve pra pagar toda dívida    [Sim, eu sei!]
Serve pra emprestar pra Europa [CIA]
Serve pra pagar a bancarrota   [Sim, eu sei!]

E banhar de sangue as ruas de Atenas [Vitória civilizatória]
Banhar de sangue as ruas do Cairo    [da liberdade que escreve a história]
Banho de sangue com visão noturna    [Sina, melhor, chacina]
Banho de sangue pra sujar as ruas    [em nome da democracia]

Não vou pronunciar o seu nome que é imundo
Nem vou santificar os seus templos de consumo
Por não ter muita escolha, às vezes me curvo
Porém, não serei para sempre seu escravo.

Quando brotou no horizonte o cogumelo gigante
Quem não morreu teve câncer
Quando as florestas ardiam pelo Agente Laranja
Ardiam também os lança-chamas
Quando o povo do oriente derrubou seus ditadores
A OTAN perdeu a pose
Porém, pra manter a estratégia e não perder a hegemonia
Ela bombardeia a Líbia
Até onde ela iria?

Até os confins do universo?           [CIA]
Além o conselho (de segurança) da ONU?[Sim, eu sei!]
Até as ruas de Teerã?                 [CIA]
Até o dia de amanhã?                  [Sim, eu sei!]

Banho de sangue em sinal de alerta[Vitória civilizatória]
Banho de sangue pra lavar a honra [da liberdade que escreve a história]
Banho de sangue pra lavar a alma  [Sina, melhor, chacina]
Banho de sangue, detonar a bomba  [em nome da democracia]

Não há novidade, é só o mesmo absurdo
Não digo mais nada, você já sabe tudo
Esteja atento, o perigo mora ao lado
E vai interferir no governo do seu Estado
O que cantar sobre um futuro hipotético?
O que esperar deste presente apático?
Como escapar deste domínio estratégico
E construir um mundo, de fato, democrático?

05. A Paz É Difícil



A Paz é Difícil

Declare guerra e sentencie à morte
Deus do norte, Deus na Terra
E Deus da estrela de seis pontas
Abra as portas do paraíso, por cima do muro
Ou no quartel escuro, para o povo palestino

A paz é difícil, não se faz com discurso
Custa muito caro e leva muito míssil

Braço forte, mão amiga que reza a cartilha
Que se presta com ardor a hospedar o opressor
Antecipe-se aos tiros e ao fogo amigo
Abrace a presidenta e também o ministro.

A paz é difícil, não passa na ONU
Na Síria, no sonho, são ossos do ofício

06. Sapo Barbudo



Sapo Barbudo


Sapo Barbudo, Sapo Barbudo
Você diz não saber nada, mas sabe de tudo!

Sapo Barbudo, me diz, cê teve medo?
Quando no ABC paulista o portão fechou mais cedo?
Sapo Barbudo, me diz o que te move?
Me diz o que fizeram pra você perder em 89?
Sapo Barbudo, teve a ver com a Rede Globo?
Teve a ver com a vontade de começar tudo de novo?

Sapo Barbudo, e a sua “Carta aos Brasileiros”?!
Que tinha errado remetente, pois, nós não somos banqueiros!
Sapo Barbudo, deixa pra depois
Pra me contar quem te bancou, o que mudou em 2002...
Sapo Barbudo, quer saber? Pago pra ver
Pro seu partido me mostrar a diferença pro PSDB.

Sapo Barbudo, Sapo Barbudo
Você diz não saber nada, mas é Doutor Honoris Causa

Sapo Barbudo, você fala que fez tudo, cê tem sorte
de ter lábia e estar no lugar certo na hora errada.
Sapo Barbudo, sabe, tudo tem limite
Se te basta só discurso pra desagradar a elite
Sapo Barbudo, o seu rastro deixa pistas...
Sei que o Pré-Sal você deu pro Eike Batista.
Sapo Barbudo, pensa que me engana?
Sei que o PMDB bota as cartas na mesa
Sei que o PT pensa ter as cartas na manga
Sei que a propaganda foi o que elegeu a Dilma
E que no congresso ela vendeu a alma ao Diabo.

07. BRock[er]



BRock[er]

Aprenda a dar às costas
A toda música que é nossa
Introduza novos elementos de acordo
Com os novos segmentos de mercado
Pela acumulação mais primitiva
Ouça o que toca no rádio
Na estação mais elitista
E depois ainda diga
Que o bom do rock já morreu...

O que morre primeiro
Por morte de bala
Movida pela grana
A culatra mãe do tiro
O Rock In Rio ou a indústria do fonograma?

O que morre primeiro
E morrerá atingido
Por mira no peito
Talvez seja suicídio
O Rock Brasileiro ou o Rick Bonadio?

Aprenda que o rock
Só pode ser cantado em inglês
E que a melhor a banda brasileira de guitarras
Tem que passar pelo crivo de vocês...
Pela discussão mais desqualificada
“Você conhece a cena de rock da Escandinávia?”
E depois ainda diga
Que "o metal é superior"...

08. Predador



Predador


O dia da caça
A hora da onça ir beber água
Na mira do tiro que sai pela culatra
E explode a cabeça que já não controla a bala
No dia lá fora
O dia e a hora de merecer sua carcaça
Decifrar a esfinge que é fera e nos devora
Mas que fracassará quando surgir a aurora

Não tenho medo
Aprendi a viver dias inteiros
Contra o sol, quase estamos seguros
Contra o escuro da noite cheio de predadores
Insepulto
O cadáver do mundo em que vivemos
Não passará impune, ninguém ficará imune
E o futuro dirá onde os lobos dormem

Se a paz dista no horizonte
Submerge ao lado do amor
No oceano do inconsciente
Onde habita o opressor
Que mata as liberdades
De câncer nas vontades
Farei tudo ao meu alcance
Farei o que preciso for
Para predar o predador

Dias de guerra
Dias de enfrentar as sentinelas
Que patrulham o mundo defendendo a ordem
Do Estado, do mercado, do partido único
Você escolhe
Se quer fazer parte da sociedade do controle
Se não quer autocrítica contra-corporativista
E objetiva a ideologia das elites

O dia D, a hora H,
A hora de enfrentar a autoridade
O abuso da força do monopólio da violência
Que com a ganância de quem financia o medo
Como farsa
Repete a história e a tragédia se disfarça
Enquanto uns poucos insistem na fantasia
E abraçam sem ver a hipocrisia das elites

09. Razão Comunicativa



Razão Comunicativa

Me importam suas palavras
Seu sotaque, sua escrita
Se sua voz não é ouvida
Nós falamos a mesma língua

Me importa a sua história
E a estrada por que caminha
Se há sangue em suas veias
A sua dor é igual a minha

Me importa sua liberdade
Necessidade de autonomia
Se há correntes que te prendem
Hão de arrebentarem-se um dia.

Me importa a sua vida
Suas vontades, suas vaidades...
É como se me fosse um espelho
Que me ensina e me humaniza.

Me importam suas palavras
Seu sotaque, sua escrita
Se sua voz não é ouvida
Nós falamos a mesma língua

10. Amor Livre



Amor Livre


O nosso amor é lindo
Ele ilumina tudo
Dá pra ver lá de cima
Dá pra ver lá da lua
Feito a muralha da China

O nosso amor brilha
É a beleza do mundo
Como enxergar no escuro
Como olhar pro sol
Dá pra queimar a retina

A gente passa a vida inteira
Obrigado a acreditar
Não custa tentar
Expandir a mente

A gente esconde a vida inteira
A vontade dentro da gente
Mas, de repente,
Que mal faz provar
De um amor diferente?

O nosso amor, menin@(s)
É de matar todo mundo
Corroído de inveja
Veja quantos defuntos
Com a boca cheia de formiga

O nosso amor é livre
E não há de ser breve
E se a prisão em que estive
Me acorrentar novamente
Rapte-me, capte-me, me leve

A gente passa a vida inteira
Tentando desatar os nós
A vida é uma só
Todos vão virar pó!

A gente aprende a vida inteira
A esconder o que a gente sente
E se contentar
Em não derrubar
Os muros a nossa frente

11. Senhor de Engenho no Senado



Senhor de Engenho no Senado


- Somos todos escravos -
É o que diz a impressão
“Jornada exaustiva de trabalho”
“Restrição da locomoção”
É o que diz a legislação
Mas, então, há algo errado...
Tem senhor de engenho no senado?!

Vivemos em estado democrático
É o que diz a constituição
Pra ser eleito, basta ter pasto
Pro curral eleitoral
É o que diz a eleição
Quando o povo é gado
Tem senhor de engenho no senado!

12. Socialismo Moreno



Socialismo Moreno


Vou cantar uma canção e peço, não me interpretem errado
Está tudo baseado no que foi observado na história
Pois, somos o que somos, mas não olhamos muito no espelho
Logo, não sabemos por que em nossa bandeira não se vê o vermelho
Ela é fruto de um questionamento: Por que se parecem tanto,
Motoristas, empregadas, porteiros, vaqueiros, vigias de estacionamento...

Os trabalhadores do Brasil são morenos
Talvez por isso os professores dos seus filhos ganhem menos.
Os trabalhadores do Brasil são morenos
Talvez por isso mesmo lhes sobrem os mais baixos salários, mais humildes empregos
São pretos, índios e brancos menos brancos de tão pobres
Talvez por isso, morram nas filas, de fome, um pouco a cada dia
As trabalhadoras do Brasil são meninas
Que tiveram pouca escolha, escola, e camisinha.

As trabalhadoras do Brasil são morenas
Nos seringais do norte, no corte da cana
São ainda as “criadas” a cuidar das crianças brancas
Trabalhadoras do Brasil, como mantêm sua esperança?
Como guardam sua beleza, sua mão da pureza?
Trabalhadoras do Brasil de mais bela natureza...
Talvez por isso, os médicos que parem os seus filhos na cidade
Ganhem menos e as parteiras, morenas, o que é que elas ganham?

No Brasil, o mês de abril é vermelho
Pois, dos capitães-do-mato os trabalhadores não têm medo
Pois, a PM é a polícia a comando dos governos
Que são, por sua vez, aparelhos de controle das elites brancas
Que bancam candidatos, que compram os partidos
Que não votam pelo fim do trabalho escravo
Que tomaram para si as terras dos povos indígenas
E a eles impuseram seu Estado, sua cultura e sua língua

Trabalhadores do Brasil querem liberdade e igualdade de oportunidades
O que não poderá haver enquanto houver “cidades de patrão*”.
Merecem muito mais não serem escravos dos bancos
Merecem casa própria e terra pro seu sustento
Merecem por direito, não por benefício, muito menos privilégio
Um sistema público de saúde eficiente e acesso ao conhecimento acumulado na história
E nada disso virá pela vontade de político, bondade de empresário
Mas pela pressão da sociedade em seus setores horizontalmente organizados.

Eu canto sem esquecer que eu sou, em parte, descendente
Daqueles que montaram e giraram essa máquina de moer gente
Mas eu canto pra reafirmar o meu lugar no mundo
Pois, não escolhi nascer, mas escolho meu caminho
Canto pra reafirmar que estamos todos juntos
E pra construir um mundo novo peço a quem quiser, cante comigo.

13. Brasil, Nunca Mais



Brasil, Nunca Mais


Avise minha mãe,
Avise minha filha e toda minha família
Diga que eu não perdi a fé
E que apesar das circunstâncias
Eu morri de pé.

Avise a minha querida
Que a minha vida não foi em vão
Que valeu a pena
Avise minha pequena.

Avise aos jovens nas salas de aula
Que não tivemos escolha
Que não nos deixaram nada
Que pensar nos condenava

Por fim, eu peço
Que avisem aos nossos inimigos
Que nós continuamos vivos
Mais que nunca nas lutas

O meu pelos seus
Futuro, adeus...
Mas não se esqueçam de nós
Céu vermelho-anil
Brasil, nunca mais...
E vivam em paz.

14. Proibidas Radiodifusão e Execução Públicas



Proibidas Radiodifusão e Execução Pública


Se olhar pro céu, vê a chuva de chumbo
Se olhar pro chão, nada além de asfalto
Se olhar pro sol, 30.000 dias contados
Se olhar pro morro, você vê o aço
Mas é preciso olhar torto.

Se olhar de novo, você vê o sangue
Se ver de perto, espero que aguente
As paisagens do inferno que emerge
Imagens que não dependem da lente
Se é que você me entende

Para tudo que o dinheiro não compra
E para o que não mostra a propaganda
Para o que somente o ar não desmancha
Haverá sempre a bomba atômica

Mirando o horizonte, você vê a fome
Não se sabe bem o que é miragem
Não se vê muito além do seu Iphone®
Ignora a sua linha de montagem
Mas que consciência virgem!

Se estiver atento, ouvirá os gritos
Em cada átomo do silêncio, os gemidos
Em cada gota do petróleo queimado
O som de cada crânio pilhado
Música pros meus ouvidos

Para tudo que o avião não derruba
Quando precisar da força mais bruta
Medo e morte na medida exata
Haverá sempre uma boa desculpa

E eu canto essa canção torta
Pro pedinte que bate à minha porta
Eu canto essa canção suja
Pra pessoa que dorme na rua
Eu canto com essa voz rasgada
Pro viciado da rodoviária
Eu canto sob a luz da lua
Pra mais bela das prostitutas

Encontre em mim seu reflexo
Enquanto me reviro no lixo
E me atiro com sede ao pote
Em que só tem espinha de peixe
Pra mim é banquete.

Você se preocupa com nexo
Com as sinapses em seus neurônios
Devia ouvir mais seus hormônios
Talvez redescubra no sexo
O prazer de estar vivo

Para tudo que a bala não mata
Quando falharem até as balas de prata
E estiver morta até a nobreza da espada
Há o que nunca nos falta: coragem

Encare os olhos do seu algoz
Adentre o que lhe esconde o capuz
Descubra os traidores entre nós
Que dizem guiar os incautos à luz
Corte o mal pela raiz

Saiba de onde beber da fonte
Contemple os autores de porte
Me diga o que é que eles fazem
E apure que estética infame
Eu chamo de arte

Pois é tudo que o ouro não valora
E o que não é convertível em dólar
Se aos deuses a dança não sensibiliza
Então, estes são todos deuses de mentira

Eu canto dando risada
Pra autoridade desacatada
Canto este canto macabro
Pra vítima de qualquer estupro
Canto e não digo mais nada
Pra criança feita escrava
Canto a beleza da vida
Pra pessoa assassinada

15. Venturis Ventis



Venturis Ventis


Por que todos parecemos não saber
Pra onde ir e o que fazer?
A escuridão que se anuncia
Apenas os loucos parecem reconhecer
Apenas os homens lobos dos homens
Parecem sobressair neste entardecer
E neste momento crítico, eu não sou o único
A procurar sentidos e meus companheiros

Avenidas cheias de carros vazios
Ruas vazias cheias de medo
Bolsos vazios, mãos estendidas
Pratos vazios cheios de fome
Corpos bem vestidos cheios de frio
Olhares vazios, cheios de tudo
Milhares de corpos que em silêncio se cruzam
Todos nos perguntamos: até quando?

Façamos os mundos possíveis
E das cidades comunidades viáveis
Cantemos os cantos populares
Dos povos que aqui vivem e dos além-mares.

Quem concordou com este circo de horrores
De seres que se julgam superiores
Pela cor da pele, conta no banco
Pelo acesso ao conhecimento humano
Será que não percebem a natureza do trabalho
E o sentido do saber científico
Temos todos igual direito aos mesmos recursos
Somente os covardes se escondem nos privilégios

Lembremos dos povos que tentaram
E dos povos que tombaram tentando
Dos povos na Primavera de Praga
E dos povos na Primeira Intifada
Lembremos dos povos Quilombolas,
Saibamos que a hora é agora

Organizemos as massas
Com as armas da psicologia
Antes que os povos nas praças
Na auto-organização coletiva
Livremente decidam
Os rumos de suas vidas!

Como se valora o ar que se respira,
Os corpos d’água que nos dão vida
O tempo de trabalho de quem extrai o minério
De quem funde e monta a indústria do mistério
E o tempo livre pra poder amar
E a liberdade de viver como se quer
Dizem que pelo ouro por ser raro
Pelo dólar e as leis de mercado

A farsa desta narrativa
É persistente, mas não me ilude
Quando nasci não assinei nenhum contrato
E depois de morto levo nada comigo.

Com todas as tropas, ocupemos
As mentes desses humanos
Semeemos o pranto aos sete ventos
Antes que brote em todos os cantos
Na autodeterminação dos povos
A sede de sangue tirano
Quando surgirão povos soberanos!

Convido a cantar para o amanhecer
Que será para mim e pra você
O amanhecer do dia que virá
Gestado na noite que vemos morrer
É filho de Iansã, que Maíra enviará
Sol da manhã que fará florescer
A rosa do povo, do humano novo
Quem viver verá, virá o amanhã

A sorte pode não estar ao nosso lado
Mas a humanidade há de se dar os braços
A humanidade, esta ideia tão vaga
Saibamos que ela ainda está por ser construída
Lembremos de nosso tempo tão curto
E lutemos pelo parto do futuro
Cantemos aos ventos que virão
Os ventos que sopram, estes passarão.